A celebração de passagem do ano sempre esteve presente na cultura ocidental, provavelmente, desde sempre, muito antes das primeiras civilizações. Esta celebração não deixa de evidenciar a preocupação humana pelo controlo do tempo, pelo início da vida e da morte, pelas sementeiras e colheitas.
A passagem do ano é hoje celebrada a 1 de Janeiro, prática que foi instituída desde a implantação do calendário gregoriano em 1582, pelo papa Gregório XIII, estabelecendo uma diferença de 12 dias para o calendário juliano (século 46 a.C.), até então utilizado. A passagem civil do ano foi então imposta às comunidades tanto pelo poder temporal como pelo poder espiritual.
O calendário gregoriano veio, assim, alterar séculos de celebração da passagem do ano no solstício de Inverno ou no início da Primavera. A celebração realizada na Primavera esteve sempre presente na Roma clássica (no mês de Martius), tendo sido o motivo para a criação do calendário juliano, durante o governo de Júlio César, para que as festas não ocorressem com as temperaturas do Inverno ainda presentes. A celebração do solstício de Inverno, o dia mais curto do ano, teve grande importância entre os celtas na Europa pré-cristã e pré-romana, percorrendo o tempo, manteve-se profundamente enraizada na cultura europeia, consubstanciando-se na celebração do Natal. Curiosamente, o natal é celebrado no dia errado, pois o solstício de Inverno ocorre no dia 22 de Dezembro e não a 25 de Dezembro, tal deve-se a um erro de cálculo do solstício no período romano, mas como é corrente na sociedade, os usos tornam-se leis e ninguém mais os questiona.
O solstício de Inverno, chamado de Alban Arthan (a luz de Artur) na antiga tradição druídico-celta, era o período da morte e renascimento, onde tudo é escuro e o nosso único guia é Artur, o Grande Urso, a Estrela Polar. Era uma das quatro festas solares druidas, para os quais o sol estava no centro do círculo da vida do ano, do dia e do ser humano (os druidas acreditavam que o sol era o local de nascimento das almas).
A grande desvantagem da celebração do ano novo a 1 de Janeiro é o afastamento do ser humano do ciclo natural do tempo, substituindo-o por uma perspectiva burocrática que nada faz para uma relação harmoniosa entre o ser humano e o mundo natural. A reaproximação com o mundo nunca foi tão necessária no preenchimento do vazio que o relativismo nos trouxe nos últimos dois séculos. Deixar de viver considerando o tempo uma linha que parte do nada para o nada e que, portanto, vale tudo enquanto cá estamos: individualismo, ganância e egoísmo são os valores da matriz que nos levam à nossa auto-destruição.
Mas o tempo não é uma recta, é, como nos mostram as estações, circular, onde o passado e o futuro se conjugam no presente, onde no centro se encontra o sol e as almas. Com respeito pelos antepassados e pelo mundo natural, e conscientes das consequências kármicas, depositemos a semente na terra para colhermos todos um futuro melhor.
A celebração da passagem do ano é assim um importante acontecimento natural e histórico-cultural, que devemos ter presentes no momento de agitar o champanhe e fazer saltar a rolha da garrafa… A todos um bom ano.
2 comentários:
Se as passas e o champanhe fossem vontade de renovação seria bom, mas num tempo em que as emoções estão ritualizadas, se convenciona que se tem de estar contente só porque mudou o calendário ou triste porque morreu alguém, todos acabaremos como o poeta fingidor, tantos anos teve a máscara colada á cara que um dia já não saíu.Bem vindo ao clube dos poetas vivos
O ser humano (e se calhar não apenas ele) tem necessidade de rituais, de ritos de passagem, enfim, uma forma de, na grelha de leitura de Mircea Eliade, transformar o caos que o rodeia num cosmos onde se possa orientar e se estruturar. No homem primitivo, a forma más fácil de estabelecer estes ritos de passagem é recorrendo à observação dos ritmos da natureza, desde o tamanho dos dias solares, ao ciclo lunar, migratório, etc. A ritualização das emoções terá que ver com um 'teatro' catalizador, ao estilo do 'Dia dos Loucos' em certas sociedades africanas, destinados a restabelecer a harmonia no indivíduo através do recurso à estratégia da possessão (com paralelo aos ritos Ubanda).Somos possuídos por uma convenção, porque no subconsciente necessitamos dela para a nossa própria sobrevivência mental.
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