segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sintra - Turismo e Património

(reedição de um artigo já publicado no Verão passado em Alagamares.net)

Como local turístico, Sintra é frequentada por milhares de pessoas diariamente. Não seria grande problema, não significasse esse facto desordem constante, confusão total, alteração das rotinas diárias dos locais bem como do espírito e cariz dos lugares.

Estes factores que identificamos em Sintra essencialmente nos meses de Verão e pontualmente nos períodos da Páscoa, Carnaval ou Natal, são vividos durante todo o ano nos grandes destinos turísticos europeus como Roma, Atenas, Veneza, Paris entre outros. É um problema designado por pressão turística e tem levado à reflexão especialistas na área da gestão integrada do património bem como dos responsáveis da governação dos diversos locais.

Embora observemos que noutros locais se vão tomando medidas constantes no que respeita à salvaguarda do património, Sintra parece rumar no sentido totalmente oposto. Conforme estipula a Carta de Cracóvia (documento orientador das acções a levar a cabo no que respeita ao património e do qual Portugal é signatário) na alínea 11:

“A gestão das cidades históricas e do património cultural em geral, tendo em conta os contínuos processos de mudança, transformação e desenvolvimento, consiste na adopção de regulamentos apropriados, na tomada de decisões, que implicam necessariamente escolhas, e no controlo dos resultados. Um aspecto essencial deste processo, é a necessidade de identificar os riscos, de antecipar os sistemas de prevenção apropriados e de criar planos de actuação de emergência. O turismo cultural, apesar dos seus aspectos positivos para a economia local, deve ser considerado como um risco.

Deve prestar-se uma particular atenção à optimização dos custos envolvidos. A conservação do património cultural deve constituir uma parte integrante dos processos de planeamento económico e gestão das comunidades, pois pode contribuir para o desenvolvimento sustentável, qualitativo, económico e social dessas comunidades.”

Parece pois que estas curtas linhas pouco dizem aos responsáveis da governação que têm passado pelo Largo Virgílio Horta…

Excepção à regra é no entanto a acção que a empresa Parques de Sintra - Monte da Lua tem desenvolvido na conservação e reabilitação do património. São os exemplos maiores os restauros do Palácio de Monserrate e do Chalet da Condessa D’Edla. Apesar das criticas de que foi alvo aquando da intervenção nas diversas Tapadas na Serra de Sintra, (criticas essas originadas certamente pelo agressivo impacto visual causado por essas mesmo intervenções) é a sua acção reconhecida quase que de forma unânime por todos os minimamente entendidos nestas causas.

Há ainda assim um reparo a fazer. A construção de parques de estacionamento no cimo da serra junto ao Castelo dos Mouros e Parque da Pena e que para os quais até foram abertas clareiras na mata, não é de todo a forma mais indicada de salvaguardar o património natural. Mais uma vez a Carta de Cracóvia, no seu ponto 9 parece ser clara:

“As paisagens reconhecidas como património cultural são o resultado e o reflexo da interacção prolongada nas diferentes sociedades entre o homem, a natureza e o meio ambiente físico. São testemunhos da relação evolutiva das comunidades e dos indivíduos com o seu meio ambiente. Neste contexto, a sua conservação, preservação e desenvolvimento centram-se nos aspectos humanos e naturais, integrando valores materiais e intangíveis. É importante compreender e respeitar o carácter das paisagens e aplicar leis e normas adequadas que harmonizem os usos mais importantes do território com valores paisagísticos essenciais. Em muitas sociedades, as paisagens possuem uma relação histórica com o território e com as cidades. A integração da conservação da paisagem cultural com o desenvolvimento sustentado de regiões e localidades com actividades ecológicas, assim como com o meio ambiente natural requerem uma consciencialização e uma compreensão das suas relações ao longo do tempo, o que implica o estabelecimento de relações com o meio ambiente construído, de regiões metropolitanas, cidades e núcleos históricos. (…)”

Podem os gestores da PSML defender que necessitam de criar condições para receber o maior número de visitantes possível àqueles monumentos no sentido de criarem a receita necessária para as obras de conservação a que se propõem. É um dilema aceitável visto que a Câmara Municipal se demarca da obrigação de regular o trânsito automóvel no centro histórico e por extensão nesse local. Este facto é ainda agravado pela incapacidade e falta de preparação demonstrada pela principal força de segurança, GNR, na actuação neste contexto.

Contudo tem a PSML chamado ao seu domínio a conservação de diversos edifícios “menores” espalhados pela serra e que eram pertença de antigos organismos estatais como as Matas Nacionais. Um dos últimos edifícios “angariados” deste tipo, trata-se de uma antiga casa de cantoneiros, situada no Largo Sousa Brandão em São Pedro de Sintra, outrora pertencente à Junta Autónoma das Estradas e que se encontrava esquecido há mais de 30 anos.  

Mas não só edifícios públicos compõem o património edificado e cultural de qualquer sociedade, Sintra neste caso. Também os edifícios (ou “espaços” num sentido mais lato) pertencentes a privados necessitam, na sua grande maioria, de adequada intervenção no âmbito da requalificação. De imediato vêm-nos à mente os prédios do antigo Hotel Netto e do Café Paris no centro histórico, ou o Vale da Raposa e a antiga Sintra Garagem na Estefânia.

Se a obrigação de uma intervenção legal por parte da Câmara Municipal no sentido de regular esta decadência nos parece óbvia pelo mero senso comum, tanto mais é justificável quando em causa está a salvaguarda da identidade dos lugares.

E não é a identidade dos lugares que os faz destinos turísticos, locais possuidores de algo especifico de satisfazer quem os visita?

É comum dizer-se que a qualidade do turismo em Sintra é má. Seria fastidioso estar a enumerar argumentos. Mas como se comporta a grande maioria dos turistas que nos visitam?

Chegam de manhã, visitam um monumento a correr, compram queijadas e partem. E “viram” Sintra em meio dia, tempo que não é suficiente para visitar apenas metade dos seus monumentos, das suas masterpieces. No centro histórico pouco encontram que identifique as pessoas e o lugar de Sintra.  Para tal teriam que percorrer mesmo ali ao lado os bairros de São Pedro e da Estefânia, ou com mais tempo as zonas rural e costeira. Só nestes locais iriam encontrar os melhores restaurantes, o verdadeiro artesanato e até a divulgação artística sintrense.

No entanto Sintra poucas condições oferece para convencer um bom turista a descobri-la. Seria necessário haver uma boa campanha promocional e divulgadora (de espírito totalmente oposto às que vão aparecendo…), uma boa rede de alojamentos, de preços acessíveis, a complementar as poucas pensões/residenciais de qualidade que existem, um cartaz cultural dinâmico e abrangente e até uma politica integrada com os municípios vizinhos.

Passos iniciais, básicos, que em funcionamento iriam desenvolver outras acções mais especificas e abrangentes e que certamente melhorariam a qualidade de vida dos que em Sintra vivem, que satisfariam quem a procura, e que acima de tudo valorizariam a sua identidade.

Difícil? Muita vontade e carolice dos sintrenses já existem. Basta então o apoio camarário, bastando por vezes não complicar e assim poder somente preocupar-se com o património edificado…

Ricardo Duarte

Sem comentários: