terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Cultura e Não Inscrição

José Gil um dos filósofos da ribalta e considerado um dos 25 pensadores sistemáticos mais importantes do mundo responsabiliza a mediatização [espaço mediático, tal como a televisão, que cria um clima hipnótico e de “não-real” nas pessoas] de enevoar a sociedade portuguesa, não permitindo observar e compreender os acontecimentos com clareza. Assim sendo, o espaço mediático torna-nos um pouco indiferentes com o que nos rodeia e fomenta o fenómeno da “não-inscrição”. A “não-inscrição” é a acção de que tudo o que acontece, não transforma o real nem tem uma sequência e evapora-se, não tendo efeito no futuro. Com isto, dizemos que as coisas passam-nos de uma forma superficial, tornando-nos indiferentes e conformados, sentindo que nada podemos fazer. Então, é necessário um espaço público, livre e independente, onde as pessoas possam discutir e debater tudo o que seja do seu interesse, criando assim as cidades inteligentes. Portugal não é uma cidade inteligente porque a grande parte dos indivíduos dá grande, ou total, importância e atenção ao que apenas se passa no espaço mediático. José Gil veio, então, com o seu livro “PORTUGAL HOJE, o medo de existir” acordar os portugueses para a verdadeira realidade onde se exige uma certa inconformidade para poder transformar o nosso país num conjunto de cidades inteligentes, dotadas de cultura, de ideias e pensamentos próprios, livres e independentes, de forma a fazer-nos crescer.

Respingamos algumas considerações sobre a produção cultural na análise lúcida de José Gil:

«Na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições não foram ainda quebrados por novas formas de expressão da liberdade (...) O Portugal democrático é ainda uma sociedade de medo, e é o medo que impede a crítica” (...) raros são aqueles que conhecem o pensamento livre.»

«Não há espaço público porque este está nas mãos de umas quantas pessoas cujo discurso não faz mais do que alimentar a inércia e o fechamento sobre si próprios da estrutura das relações de força que elas representam. Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção.»

«Se vamos a um espectáculo de um coreógrafo que vem a Portugal, gostamos de dança e descobrimos qualquer coisa de novo, uma parte daquele espectáculo deveria derrubar alguma coisa na nossa vida e mudar a nossa vida, descobrir espaços diferentes, maneiras de falar e de comunicar, etc. mas o que acontece é que tudo isso fica para dentro. Nós gostámos muito, tivemos mesmo em êxtase, mas ao sair do espectáculo voltamos para casa, gostámos, mas não acontece nada... O feed back nos jornais é geralmente uma crítica sempre descritiva porque tem-se medo de inscrever. Não se ousa criticar porque se tem medo (...) A arte é uma questão privada. Não entra na vida, não transforma as existências individuais.»

«A não-inscrição continua hoje. O que acontece no nosso país é sem consequência. Nada tem efeitos reais, transformadores, inovadores, que tragam intensidade à nossa vida colectiva. Nestas condições, como participar no aprofundamento da democracia ?»

- Quem melhor poderá contribuir para as necessárias e urgentes alterações políticas, sociais e culturais senão os próprios agentes culturais, na sua diversidade de interesses?

- E porque é que isso não tem acontecido de forma concreta, estruturante e vigorosa ?

- Estaremos já submersos num tal "síndrome do pânico", que perdemos a orientação e o sentido da "boa vida" urbana ?

- O que significa "autonomia" e "liberdade" cultural, hoje, aqui e agora?

- Somos súbditos domesticados e obedientes ou cidadãos livres?

- Estaremos realmente sob o efeito de biopolíticas e biopoderes cujo objectivo de governação é a «desactivação da acção» ?

- E se é verdade que a biopolítica actual está em estreita conexão com as "indústrias criativas" (trabalho imaterial, bens imateriais, ideias, formas de comunicação, relações humanas, precariedade laboral, etc...) estará a vida cultural, afectiva e espiritual reduzida à retórica oportunista e eleitoralista dos nossos actuais governantes ?

- .... classes criativas, cidades criativas, bla, bla, bla...sim sim, claro...mas como? Assim de repente como quem faz magia e copia modelos importados à pressa? E o resto, as condições de cultura? A democracia participativa? O alargamento dos públicos da cultura? A democracia cultural? Os serviços públicos de cultura? A efectiva democratização da cultura e da criatividade? etc...etc...sem saltos "quânticos", portanto!

- Qual é acção cultural pertinente e necessária nas circunstâncias actuais ?

- Como estimular a auto-organização e a acção colectiva em rede nos sistemas culturais urbanos, designadamente nas cidades de média dimensão?

- Devem as Câmaras Municipais (do alto do seu abusivo protagonismo) ser programadoras de eventos culturais ad-hoc? Ou antes pelo contrário assumir um papel de catalisadoras e facilitadoras dos processos criativos, artisticos e culturais promovidos pela sociedade cívil?"

Questões para pensar

Fernando Morais Gomes


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